Desde 2020 produzo conteúdo para as redes sociais. Antes, como Fala, Day, agora como @dayescreve, mas sempre com o mesmo objetivo: me aproximar mais das histórias feitas por pessoas pretas. Foi há quatro anos que essa vontade me fez repensar na minha estante e começar a estudar o mercado literário sob esta ótica. Por isso, consegui perceber que a presença negra nas agências literárias brasileiras era um grande problema, mas não me contentando com o achismo comecei a desenvolver uma pesquisa que, hoje, tomou mais corpo e será apresentada nesta postagem.
Como a pesquisa foi feita?
Na primeira vez que fiz a pesquisa fui de site em site das agências e procurei fotos, descrições e entrevistas nas quais os autores declaravam a sua raça. No entanto, isso não é fácil nem muito seguro. Umas vezes não achava fotos, outras não achava declaração. Desse modo, decidi fazer diferente: entre em contato com todas as agências mapeadas, apresentei a ideia e pedi ajuda para coletarmos os dados.
Para não termos divergências, apresentei a maneira como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) define a raça/etnia no Brasil, sendo ela:
Amarelo se refere à pessoa que se declara de origem oriental: japonesa, chinesa, coreana.
Indígena é a pessoa que se declara indígena, seja as que vivem em aldeias como as que vivem fora delas, inclusive em áreas quilombolas e em cidades.
Branco é quem se declara branco e possui características físicas historicamente associadas às populações europeias.
Pardo se refere a quem se declara pardo e possui miscigenação de raças com predomínio de traços negros.
Preto é a pessoa que se declara preta e possui características físicas que indicam ascendência predominantemente africana.
Além disso, foram feitas duas perguntas:
1. Como vocês enxergam o agenciamento de pessoas não brancas em relação às oportunidades do mercado?
2. Há uma busca ativa por pessoas não brancas? Caso não, a busca passiva é suficiente?
Respostas por agência
Foram mapeadas doze agências e sete responderam. Dessas sete, duas não quiseram participar. As agências foram: Authoria Agência Literária & Studio; Agência Riff; Villas Boas & Moss Agência e Consultoria Literária Ltda; Increasy; Oasys Cultural; Agência Magh; O Agente; MTS Agência de Autores; Afeto agência; Agência Moneta; Agência Três Pontos; Agência RomanLit.
Oasys Cultural não iriam ter tempo para consultar todas as pessoas agenciadas.
Increasy não participou porque apenas 20% dos autores realizaram o preenchimento do formulário que mandaram e sentiram que a amostragem seria muito distorcida da realidade.
As demais agências não responderam ou enviaram as respostas até a data da primeira publicação, mas caso respondam serão acrescentadas!
Authoria Agência Literária & Studio
Total de agenciados: 60
Pretos: 5
Pardo: 5
Achamos muito importante o agenciamento de pessoas não brancas, e não apenas isso. Também queremos representar pessoas não sudestinas, não homens, não cis, não heteronormativas. Achamos de imensa relevância que as minorias sejam representadas também. Infelizmente, nosso catálogo ainda não expressa a proporção que existe na sociedade de etnias, tendo uma maioria da etnia branca, porque esse não era um ponto de atenção nosso no início, mas estamos modificando isso. O mercado em geral oferece poucas oportunidades, e sabemos da importância das agências literárias abrirem as portas.
Sim, há uma busca ativa por pessoas não brancas. A maioria de nosso novos agenciados são não brancos, mesmo a agência não estando aberta para novas representações. Fazemos isso para, aos poucos, na medida de nossa capacidade em absorver novos agenciados, corrigir nossa proporção de pessoas brancas e não brancas, para que se aproxime da proporção que existe na sociedade e com isso possamos dar cada vez mais oportunidades para que pessoas de etnia não branca estejam nas principais editoras do mercado editorial brasileiro.
Agência Magh
Total de pessoas agenciadas: 36
Pardos: 2
Pretos: 8
Brancos: 26
Sabemos que a proporção de autores não brancos na agência ainda é baixa e não é a ideal. No começo do ano, parte dos autories da Magh passou para a agência Moneta, da Karoline Mello, e desde então a agência passou por uma reestruturação geral. Temos novos agentes trabalhando e formando seu portfólio de autories, assim como trabalhamos para a formação de novos agentes no mercado, já que temos muito mais gente escrevendo do que uma ou outra agência tem capacidade de absorver. No momento, a busca é ativa e constante, dentro das nossas capacidades de absorção de novas pessoas agenciadas, dos cronogramas editoriais e das oportunidades que aparecem. Não estamos com edital aberto e não temos previsão de abertura de um novo, mas a busca ativa continua, e temos dado preferência para aumentar a diversidade de vozes na agência, o que inclui pessoas não brancas, é claro, mas também PCDs, vozes de fora do eixo Rio-SP, LGBTQIAP+ e autorias 50+.
Afeto Agência
Total de agenciados: 10
Pretos: 7
Pardos: 2
Branco: 1
O gerenciamento de carreira de pessoas não brancas começa bem antes de chegarmos no momento “oportunidades do mercado”, porque a gente não pode ignorar as demais camadas e individualidades que esses autores trazem com eles. É um trabalho quase diário de reforçar a importância das histórias que eles querem contar e trabalhar a autoestima intelectual. Esse é meu maior trabalho na Afeto no momento, considerando que o mercado insiste em dizer sempre o contrário. Antes de jogá-los em possíveis oportunidades é alinhar expectativas e trabalhar com a realidade de que para nós as coisas são sim diferentes, mas que é possível fazer um bom trabalho e que o que eles têm a dizer precisa ser lido.
No momento não temos interesse em agenciar pessoas brancas. Aparecem algumas oportunidades de agenciamento de obras e são analisados caso a caso, mas restritos ao agenciamento da obra e não de carreira.
Agência Moneta
Total de agenciados: 10
Brancas: 6
Pardas: 3
Pretas: 1
Pelo fato de a Moneta ter sido fundada por uma pessoa negra, sabemos na pele as dificuldades de uma pessoa não branca para se inserir não apenas no mercado editorial, mas em qualquer meio. Falando especificamente do ramo literário, é muito difícil encontrar oportunidades para pessoas racializadas crescerem como influenciadoras, escritoras, tradutoras, agentes e afins, e isso por vários fatores. O principal deles, como sabemos, é o racismo enraizado na nossa sociedade. Mas também temos questões sociais, porque a maioria dessas carreiras exige que nós tenhamos um trabalho fixo para conseguir se sustentar ou que pelo menos nossa rede de apoio financeira seja muito forte — e sabemos que, para a maioria de nós, essa não é a realidade.
Dito isso, a respeito do agenciamento desses autores, acreditamos que há duas questões principais para se pensar: primeiro, em como agenciá-los pode ajudar nessa jornada de crescimento no mercado editorial; e segundo, em como, no meio desse processo, ainda vamos lidar com as dificuldades que envolvem inserir esses escritores em grandes casas editoriais — seja pela falta de tempo que o autor tem para escrever, por exemplo, ou pela baixa disponibilidade de editoras para publicá-los.
Em relação ao primeiro tópico, agenciar pessoas não brancas é de suma importância para fazer o trabalho delas ser mais reconhecido no mercado literário e também para fazer com que cheguem a lugares aos quais muitas vezes não conseguiriam sozinhas. O que nos leva ao segundo tópico, já que é necessário ter um bom entendimento de como lidar com esses autores, que muitas vezes trazem bagagens diferentes de pessoas brancas, como a falta de confiança vinda de questões puramente raciais. Isso, de uma forma ou de outra, deve ser abordado dentro do agenciamento, tanto pelo fato de o trabalho de agente ser também algo humano quanto por essas pessoas por vezes trazerem esses conflitos raciais para dentro de suas obras. E nisso temos também a pouca disponibilidade de editoras para publicar tais obras, já que muitas podem até mesmo não saber como trabalhá-las, relegando esses autores a casas editoriais voltadas para a publicação de pessoas não brancas.
Sendo assim, ao mesmo tempo em que é crucial agenciamos escritores racializados, precisamos entender que, como tudo nessa vida, precisamos lutar duas, três ou até quatro vezes mais para alcançar seus objetivos, e, por mais que demore um pouco, a Moneta está disposta a lutar por isso.
Na Moneta, fazemos a prospecção ativa de autores racializados exatamente por não acreditarmos que a busca passiva é o suficiente. Contudo, ainda não achamos que isso por si só tem sido efetivo, já que há diversos fatores que levamos em consideração na hora de agenciar alguém e queremos trabalhar do melhor jeito possível as obras das pessoas que escolhemos. Por isso, no próximo ano, não faremos apenas a procura ativa; pretendemos, para além disso, ajudar na profissionalização de escritores não brancos e fazer uma seleção de originais que priorizará minorias raciais e pessoas trans.
Agência Três Pontos
Total de agenciados: 35
Brancos: 16
Pretos/Pardos: 14
Amarelos: 3
Indígenas: 2
Essa ainda é uma questão complexa, porque ao mesmo tempo que vemos espaços em que existe uma vontade genuína de contratar livros de pessoas não brancas pra diminuir a proporção de autores brancos nos selos, também vemos editoras em que essas publicações só ocorrem depois de muito trabalho e insistência em diversos níveis hierárquicos, e muitas vezes num movimento de querer mais parecer diverso do que efetivamente ser. Podemos ver isso nos tipos de narrativas que são permitidas a essas pessoas autoras: o sofrimento sempre aparece em maior quantidade do que a felicidade nas histórias publicadas. Cabe aos agentes utilizarem seu poder de intermediários para insistir na ampliação de espaços para pessoas não brancas, buscando parceria e apoio de editores responsáveis e conscientes da necessidade de mudança de panorama não só na publicação de livros, mas também na contratação de tomadores de decisão dentro de agências e editoras que sejam pessoas não brancas. Mas também é necessário que esse apoio se estenda para além da contratação, acompanhando os autores durante o processo editorial para que eles não sofram nenhum tipo de preconceito ou micro agressão, sendo papel do agente tomar a frente, apontar e pedir retratação quando essas coisas acontecem, porque não adianta contratar autores não brancos e deixar que as narrativas dessas pessoas sejam modificadas e orientadas pelos interesses brancos. Pra não terminar a resposta num tom desanimador, posso dizer que esse interesse genuíno por parte das editoras tem crescido (mesmo que a passos lentos) nos últimos anos.
Aqui na Três Pontos, a gente tem o objetivo de sempre manter o percentual de pessoas brancas abaixo de 50% das pessoas agenciadas. Nossas ofertas de agenciamento são sempre conscientes no sentido de manter essa estatística. E não tem outro jeito, tem que haver esse automonitoramento e uma busca ativa mesmo, senão caímos muito facilmente num processo de olhar apenas para pessoas brancas, que sabemos que são beneficiadas por algoritmos e pelos vieses dos próprios leitores e das editoras, e por consequência têm mais destaque no mercado literário (assim como na sociedade como um todo). Essa busca consciente por ampliar espaços para pessoas não brancas é necessária em todos os níveis do mercado editorial, do leitor ao RH das editoras.
Agência RomanLit
Total de agenciados: 15
Total de respostas: 14
Pretos/pardos: 5
Indígena: 1
Amarelo: 1
Brancos: 7
O agenciamento de pessoas não brancas é extremamente importante para o trabalho da agência (ou, de forma mais geral, agenciamento de quaisquer grupos minoritários). Isso influi diretamente nas histórias contadas atualmente, e também nas histórias que eu quero ler, tanto como agente como quanto leitora. Além disso, apenas a representação de pessoas não brancas não é suficiente se não consegue colocá-los no mercado. E nesse quesito, fico feliz em dizer que todas as pessoas não brancas da nossa lista ou estão publicadas, ou serão publicadas em breve.
Sim. Apesar de não ter aberto para originais recentemente, ao assinar com uma nova pessoa, uma grande preocupação é sobre como isso impacta na lista geral da agência. Procuro ativamente por pessoas não brancas através de referências, de livros que leio e procuro o autor para representar – e, nesses casos, sempre levo isso em consideração. Para além disso, essa busca continuará mais assídua e mais intensamente quando abrir para originais, o que pretendemos fazer em breve, mas sem data ainda por conta da mão de obra que isso requer para absorver a resposta de originais. Mas sim, expandir nossa lista com talentos não brancos é uma preocupação e uma prioridade da agência.
GERAL
Total de agenciados: 166
Total de brancos: 107
Total de pretos/pardos: 52
Total de indígenas: 3
Total de amarelos: 4